sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

FÉ - Arthur W. Pink


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“De fato sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb. 11:6)

“... mas a palavra que ouviram não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé, naqueles que a ouviram” (Hb. 4:2).

A conexão entre estes dois versículos nos mostra como é vã toda a atividade religiosa onde não há fé. A atividade exterior deve ser realizada correta e diligentemente, mas a menos que a fé esteja em operação, Deus não é honrado e a alma não é edificada. A fé abre o coração para Deus, e fé é o que se recebe de Deus; não uma mera aceitação do que é revelado em Sua Palavra, mas um princípio sobrenatural de graça que existe no Deus das Escrituras. Isso o homem natural, não importa o quanto religioso ou ortodoxo ele seja, não tem e nenhum de seus esforços, nem atos da sua vontade , podem adquirir. É um dom supremo de Deus.

A fé deve operar em todas as atividades do cristão, se Deus há de ser glorificado e ele edificado. Primeiro, na leitura da palavra: “Estes, porém, foram registrados para que creiais” (Jo. 20:31). Segundo, no ouvir da pregação dos servos de Deus: “A pregação da fé” (Gl. 3:2). Terceiro, na oração: “Peça-a porém com fé, em nada duvidando” (Tg. 1:6). Quarto, na nossa vida diária: “Visto que andamos por fé, e não pelo que vemos” (2Co. 5:7) e “esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no filho de Deus” (Gl. 2:20). Quinto, em nossa partida deste mundo: “Todos estes morreram na fé” (Hb. 11:13).

O que o fôlego é para o corpo, a fé é para a alma, pois alguém que sem fé busca realizar ações espirituais, é como se colocasse uma mola em um boneco de madeira, fazendo-o mover-se mecanicamente.

Um professo não-regenerado pode ler as Escrituras e ainda assim não ter qualquer fé espiritual. Assim como o hindu devoto lê atentamente o Upanishad e o muçulmano o seu Alcorão, muitos países “cristãos” adotam o estudo da Bíblia e mesmo assim não tem mais da vida de Deus em suas almas do que têm os seus irmãos pagãos. Milhares nesta terra lêem a Bíblia, crêem na sua autoria divina e se tornam mais ou menos familiarizados com o seu conteúdo. Um mero professo pode ler vários capítulos diariamente e mesmo assim nunca compreender um único versículo. Mas a fé aplica a Palavra de Deus: ela proclama Suas terríveis ameaças e tremores diante deles; ela proclama Seus solenes avisos, e procura alertá-los; ela proclama Seus preceitos e clama a Ele por graça para andar neles.

Acontece o mesmo no ouvir da Palavra pregada. Um professo carnal se orgulhará de ter comparecido a esta ou aquela conferência, de ter ouvido aquele famoso professor e aquele renomado pregador e ter tido tanto proveito para a sua alma, quanto se nunca tivesse ouvido qualquer um deles. Ele pode ouvir dois sermões todo domingo e depois de cinqüenta anos ser tão morto espiritualmente como o é hoje. Mas o homem regenerado compreende a mensagem e avalia a si mesmo pelo que ouve. Ele é muitas vezes convencido dos seus pecados e os lamenta. Ele testa a si mesmo pelo padrão de Deus e se sente tão longe de ser aquilo que deveria, que sinceramente duvida da sinceridade da sua própria profissão (de fé). A palavra o corta em pedaços , como uma espada de dois gumes e o faz clamar: “desventurado homem que sou!”.

Na oração, o mero professo muitas vezes faz o crente humilde envergonhar-se de si mesmo. O religioso carnal, que tem o “dom da palavra”, nunca se perde com elas; frases fluem de seus lábios tão prontamente como águas de um riacho murmurante; versículos das Escrituras parecem correr através da sua mente tão livremente como pó passa pela peneira, ao passo que o pobre e oprimido filho de Deus é muitas vezes incapaz de fazer algo mais do que clamar: “Ó Deus sê propício a mim pecador!”. Ah, meus amigos, nós precisamos distinguir nitidamente entre a aptidão natural em fazer “boas” orações e o espírito de súplica verdadeira: um consiste meramente de palavras, o outro de “gemidos inexprimíveis”; um é adquirido por educação religiosa, o outro é implantado na alma pelo Espírito Santo.

Assim é também em assuntos sobre as coisas de Deus. O professo fútil pode conversar loquazmente e muitas vezes, de modo ortodoxo, de “doutrinas”, sim, e de coisas terrenas também. De acordo com a sua disposição, ou dependendo da sua audiência, assim é o seu tema. Mas o filho de Deus, embora sendo pronto para ouvir o que é para a edificação, é “tardio para falar”. Oh meu leitor, cuidado com pessoas que falam muito; um tambor faz bastante barulho mas é vazio por dentro! “Muitos proclamam a sua própria benignidade, mais o homem fidedigno quem o achará?” (Pv. 20:6). Quando um santo de Deus abre os seus lábios para falar de assuntos espirituais, é para dizer o que o Senhor, em Sua infinita misericórdia, tem feito por ele; mas o religioso carnal está ansioso para que os outros saibam o que ele tem feito pelo Senhor.

A diferença é evidente da mesma forma, entre o crente genuíno e o crente nominal, com relação à vida diária: conquanto este último possa parecer exteriormente justo, ainda assim por dentro está “cheio de hipocrisia e iniquidade” (Mt. 23:28). Eles colocarão a pele de uma verdadeira ovelha, mas na realidade são lobos em pele de ovelhas. Mas os filhos de Deus têm a natureza da ovelha, e aprendem dAquele que é “manso e humilde de coração” e, como eleitos de Deus, se revestem de “ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade” (Cl. 3:12). Eles são em secreto o que são em público. Eles adoram a Deus em espírito e em verdade.

Também é assim no fim de suas vidas. Um professo vazio pode morrer tão fácil e tranqüilamente como viveu - abandonado pelo Espírito Santo e não perturbado pelo diabo; como diz o salmista: “para ele não há preocupações” (Sl. 73:4). Mas isso é muito diferente do fim daquele cuja consciência, profundamente sulcada e reconhecidamente corrompida, foi aspergida com o precioso sangue de Cristo: “Observa o homem íntegro, e contempla o justo; porquanto o fim daquele homem é de paz” (Sl. 37:37) - sim, uma paz que “excede todo o entendimento”. Tendo vivido a vida do justo, ele morre “a morte do justo” (Nm". 23:10).

E o que é que distingue um caráter do outro? onde está a diferença entre o crente genuíno e o que o é apenas no nome? Nisso: em uma fé dada por Deus e implantada no coração pelo Espírito. Não um mero concordar intelectual com a Verdade, mas um vivo, espiritual e vital princípio no coração - uma fé que “purifica o coração” (At. 15:9), que “atua pelo amor” (Gl. 5:6), que “vence o mundo” (1Jo. 5:4). Sim, uma fé que é divinamente mantida em meio a provações por dentro e oposições por fora; uma fé que exclama “ainda que Ele me mate, nEle confiarei” (Jó 13:15).

É bem verdade que essa fé não está sempre em atuação, nem é igualmente forte em todo o tempo. O beneficiário dela deve ser ensinado por dolorosa experiência que da mesma forma como ele não a criou, ele também não pode comandá-la; por essa razão ele se volta para o seu Autor e diz: “Senhor eu creio, ajuda-me com a minha falta de fé”. E é assim para que quando ler a Palavra ele seja capaz de apossar-se das suas preciosas promessas; quando prostrar-se diante do trono da graça, ele seja capaz de lançar o seu fardo sobre o Senhor; que quando ele levantar-se para seus deveres temporais, seja capaz de apoiar-se nos braços eternos; e quando ele for chamado a passar pelo vale da sombra da morte, clame triunfantemente: “não temerei mal nenhum, porque Tu estás comigo”. “Senhor aumenta-nos a fé”.

Tradução: Ronaldo Pernambuco

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